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02 setembro, 2005

A CRUZADA GUARANI

GRUMIN/REDE DE COMUNICAÇÃO INDÍGENA

A CRUZADA GUARANI
"Singular e assombroso o destino de um povo como os Guarani!Marginalizados e periféricos, nos obrigam a pensar sem fronteirasTidos como parcialidades, desafiam a totalidade do sistema.Reduzidos, reclamam cada dia espaços de liberdade sem limitesPequenos, exigem ser pensados com grandeza.São aqueles primitivos cujo centro de gravitação já está no futuro.Minorias, que estão presentes na maior parte do mundo."(Bartomeu Meliá)

Com o objetivo de reivindicar o que se supõe deveria ser na história o verdadeiro sentido da civilização guarani, surgiu, entre alguns escritores, uma corrente que inaugurou uma série de discussões polêmicas.
Uma destas correntes, entende que pertence ao patrimônio histórico da raça guarani a invejável civilização dos astecas do México e dos Incas do Peru e que todo esse monumento de glórias, criminosa e miseravelmente destruído pelos espanhóis, foi roubado a essa família indígena.
Obedecendo esta ordem de idéias, concebe ela que os guaranis chegaram a fundar, nos demais recantos da América do Sul, uma considerável civilização pré-colombiana e que os europeus a destruíram com tal habilidade que até os vestígios desapareceram.
A Grande Confederação Guaranítica, compreendeu inúmeras nações esparramadas pelo Continente Sul Americano, sendo a capital dessa civilização uma grande cidade denominada "Mbaeveraguasú". Imaginam os defensores dessa corrente, que os guaranis eram comunistas puros, organizados em Estado, com feição altamente civilizada. Para eles a palavra "guarani", tinha um sentido amplo e compreendia todos os indígenas de mais da metade do continente americano, excluindo-se, algumas raças que reputavam inferiores, sem as qualidades que ornam o caráter e a inteligência das múltiplas nações guaranis.
Há entretanto, algumas tribos, que não sendo guaranis, acomodaram-se aos costumes destes, em uma fusão regular, sendo por isso mesmo seus parentes, ou vassalos, como aconteceu com os "Aruacás", que acompanharam os "Caraivés", desde as Antilhas, como seus escravos.
Percebe-se portanto, que os guaranis correspondem ao homem sul-americano por excelência.

COMO TUDO COMEÇOU...

Para nos assenhorarmos dos verdadeiros pendores que dominam a alma coletiva de tão curiosa civilização, teremos que buscar recursos na história.
A nação guarani à luz do "descobrimento" conglomerava diversos povos. Com a chegada dos espanhóis (1537 em Assunción), foram diferentes as formas de contato e distintas as adaptações históricas-culturais da nação guarani. Podemos dividi-los a partir deste momento, em três grupos, ou três trajetórias.
1. O indígena que sofreu o impacto imediato do colonialismo. Encontramos aqui o índio "civilizado" e o escravo encomendado. Os índios civilizados, foram aqueles que lhes foi roubada a felicidade e convencidos à força de que os donos da civilização era os europeus. Estes foram os que mais sofreram adaptações. Já o índio encomendado, era aquele entregue ao espanhol para a catequese e conversão. Doutrinavam os índios em troca da utilização de seu trabalho. Na verdade, tal troca, acobertava uma disfarçada escravidão. Desse grupo, sobraram muito poucos, pois conduzidos a um cativeiro deshumano, acabaram dizimados, pela intensidade do trabalho forçado ou pelas inúmeras doenças trazidas pelos conquistadores.
2. Os guaranis reduzidos ou missioneiros, que buscavam refúgio da sanha colonial nas reduções jesuíticas. As reduções se constituíam em um Estado dentro do Estado. Neste aldeamentos fechados, os índios aprenderam ofícios tornando-se artesãos, marceneiros, carpinteiros e músicos, o que lhes permitiu dirigirem-se para os centros urbanos, como Montevidéu, Buenos Aires e Santa Fé, após a expulsão dos jesuítas das colônias ibéricas.
No inicio da civilização, os colonos sentiram a necessidade imprescindível do auxílio do missionário para a pacificação indígena. Mas, aos poucos o homem branco, emancipou-se daquela dependência e aliando-se com o mameluco, organizaram-se em bandeiras e, armados em verdadeiros exércitos, passaram a caçar o índio, para explorar e corromper. Eram invencíveis, sobretudo em uma luta com missionários e índios inermes. Ao desejo de enriquecer aliava-se a sede de glória, iniciando-se deste modo, um genocídio. Poucos foram os que conseguiram bater em retirada, único meio de fugir aquela ameaça de destruição. Mas, mesmo experimentando grande regozijo de escapar à sanha de seus agressores, tiveram os heróicos retirantes de enfrentar muitos perigos e sofrimentos durante a sua longa cruzada de fuga.
Alguns dirigiram-se para o Paraguai, onde o Guarani Paraguaio é hoje falado por cerca de 3 milhões de pessoas; para a Bolívia, onde o Guarani Boliviano (ou Chiriguano) é falado por cerca de 50 mil pessoas e para o norte da Argentina. Dos índios capturados, alguns tornaram-se escravos dos bandeirandes (séc. XVIII) e outros tornaram-se empregados de fazendeiros brasileiros e paraguaios, que iniciaram a ocupação destas terras com a extração da erva-mate.
3. O terceiro grupo a salientar, é o guarani que permaneceu fora do alcance da fome colonial, mantendo-se escondido nas densas florestas paraguaias. Os Caaguá foi um grupo que logrou manter sua cultura quase que intacta. Dele descendem os Guarani Mbya, Chiripá ou Ñandeva e os Paitvyterã ou Kaiowá. Eles foram raramente visitados por algum viajante no século XIX e conseguiram passar para o século XX, sem interferências exteriores.

A ALMA GUARANI

O guarani é um indivíduo profundamente espiritual. Embora haja muitos sub-grupos, todos compartilham de uma religião que enfatiza a terra. O conceito de terra para eles está relacionada a idéia de terra-sem-males, na concepção de "bem viver", um lugar onde se vive o "teko" (jeito de ser). Ou seja, não concebem a terra em sua materialidade, mas a consideram como necessária para ser construída e arada culturalmente.

Seguindo mensagens de Nhanderú, eles buscam o que acreditam ser a "Terra sem Males", um lugar onde não falta caça, pesca e muita paz. A sua procura, localizada no imaginário dos Guarani, para além do Atlântico, por si só, não minimiza as responsabilidades dos brancos sobre os poucos espaços territoriais que sobraram para esses índios. A sua perambulação, organizados em pequenos grupos familiais, por estradas e rodovias do Sul e Sudeste do país, é uma face trágica dessa diáspora.
"Por uma terra sem males” é o sugestivo lema da Campanha da Fraternidade 2002.
O MITO DA TERRA-SEM-MALES
O grupo com o qual Nimuendaju (Curt Unkel, 1883-1945, etnólogo alemão) teve contato, guardou em seu imaginário mitológico a iminência da destruição do mundo por um incêndio e um dilúvio e a entrada em uma terra onde não haveria mais sofrimento, nem morte.
Conta este mito dos Guarani, "quando Nhanderuvuçu ( nosso grande Pai) resolveu acabar com a terra, devido à maldade dos homens, avisou antecipadamente Guiraypoty, o grande pajé, e mandou que dançasse. Esse obedeceu-lhe, passando toda a noite em danças rituais.
E quando Guiraypoty terminou de dançar, Nhanderuvuçu retirou um dos esteios que sustentam a terra, provocando um incêndio devastador. Guiraypoty, para fugir do perigo, partiu com sua família para o Leste, em direção ao mar. Tão rápida foi a fuga, que não teve tempo de plantar nem de colher mandioca. Todos teriam morrido de fome, se não fosse o seu grande poder que fez com que o alimento surgisse durante a viagem. Quando alcançaram o litoral, seu primeiro cuidado foi construir uma casa de tábuas, para que quando viessem as águas, ela pudesse resistir. Terminada a construção, retomaram a dança e o canto.O perigo tornava-se cada vez mais iminente, pois o mar, como que para apagar o grande incêndio, ia engolindo toda a terra. Quanto mais subiam as águas, mais Guiraypoty e sua família dançavam.E para não serem tragados pela água, subiram no telhado de casa. Guiraypoty chorou, pois teve medo. Mas sua mulher lhe falou:" Se tens medo, meu pai, abre teus braços para que os pássaros que estão passando possam pousar. Se eles sentarem no teu corpo, pede para nos levar para o alto."E, mesmo em cima da casa, a mulher continuou batendo a taquara ritmadamente contra o esteio da casa, enquanto as águas subiam.Guiraypoty entoou então o nheengaraím, o canto solene Guarani. Quando iam ser tragados pela água, a casa se moveu, girou, flutuou, subiu... subiu até chegar à porta do céu, onde ficaram morando.Esse lugar para onde foram chama-se YvY marã ei ( a "terra sem males"). Aí as plantas nascem por si próprias, a mandioca já vem transformada em farinha e a caça chega morta aos pés dos caçadores. As pessoas nesse lugar não envelhecem e nem morrem, e aí não há sofrimento."
Durante diversos espaços de tempo e de formas variáveis, grupos guarani reviveram historicamente este mito. Relatado por Curt Nimuendaju (nome que significa "homem que abriu seu próprio caminho"), no início do século XX, os pajés dos Guarani Apapocuva, buscaram a Terra-sem-mal no leste. Em todas as viagens apontadas para esta direção, o mito se fez história.
A Terra-sem-mal era uma dádiva a ser encontrada, localizada à leste, além do oceano e no alto.

TRAJETÓRIA E OBJETIVO
DA MIGRAÇÃO

A causa do êxodo Guarani sempre foi a imperativa necessidade de encontrarem um lugar onde possam viver em segurança, segundo seu antigo modo de ser, ou seja, a busca da "Terra-sem-males".
"Os primeiros que abandonaram a sua pátria, migrando para o leste foram os vizinhos meridionais dos Apapocuva: a horda dos Tañyguá, sob a liderança do pajé chefe Ñanderyquyní, que era temido feiticeiro. Subiram lentamente pela margem direita do Paraná, atravessando a região dos Apapocúva, até chegar à dos Oguauíva, onde seu guia morreu. Seu sucessor, Ñanderuí, atravessou com a horda do Paraná - sem canoas, como conta a lenda - , pouco abaixo da foz do Ivahy, subindo então pela margem esquerda deste rio até a região de Villa Rica, onde cruzando o Ivahy, passou-se para o Tibagy, que atravessou na região de Morro Agudos.

Rumando sempre em direção ao leste, atravessou com seu grupo o rio das Cinzas e o Itararé até se deparar,finalmente com os povoados de Paranapitinga e Pescaria na cidade de Itapetinga, cujos primeiros colonos nada melhor souberam fazer que arrastar os recém-chegados a escravidão. Eles porém, conseguiram fugir, perseverando tenazmente em seu projeto original, não de volta para o oeste, mas para o sul, em direção ao mar. Escondidos nos ermos das montanhas da Serra dos Itatins fixaram-se então, a fim de se prepararem para a viagem milagrosa através do mar à terra onde não mais se morre." Os Guarani Mbya, começaram a chegar, ao que se sabe, a partir do início do século XX. Em 1921, Nimuendaju, na época funcionário da antigo SPI, teve a ventura de acompanhar de perto a migração de um pequeno grupo Mbya rumo ao mar.

Esta fantástica experiência não modificou apenas o modo desse antropólogo alemão encarar a sociedade Guarani, como a partir de então, iria influenciar de maneira decisiva, o modo como a maioria dos antropólogos passaria a ver os Guarani.
Dizimados por doenças e obcecados com a fuga da destruição do mundo, Nimuendaju alcançou-os perto de Itanhaém/SP. Quando chegaram ao litoral, termina sua viagem horizontal e histórica. Inicia-se então a caminhada que deveria, através da dança, tomar um rumo vertical. Dançaram três dias até a exaustão e então veio a terrível decepção: o fracasso. "Havia ocorrido algum erro, que anulara toda a magia e que, fechara para sempre o caminho para o Além aos peregrinos". A maioria dos Guarani convenceu-se que já não poderiam alcançar a "Terra-sem-mal", pela falta de um instrumento e pela interpretação incorreta do mito.
Depois partiram "na direção do noroeste, convencidos de que a Terra-sem-mal se localizava, não além do oceano e sim no centro da Terra". Segundo Egon Scahden, somente poderiam ir em sua busca, aqueles que guardavam intactas suas crenças originais.
Hoje existem "aqueles que acreditam que só sua alma retornará a Nhanderú retã." Mas há ainda aqueles, que acreditam conseguir atravessar o oceano com corpo e alma e superando a prova da morte, serem testemunho da tradição.

Uma alucinada tentativa de alcançar a qualquer custo a Terra-sem-mal, pode ser observada entre os Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul. Nos anos entre 1986 a 2000, 337 índios das áreas de Dourados, Amambaí, Caarapó, Porto Lindo e Takuapery, cometeram suicídio. A ampla espoliação de seu território físico e espiritual e a falta de perspectiva de encontrarem a sua prometida terra-sem-mal, os levaram a depressão profunda, o que concorreu para a concretização de tão trágico fim.
Na utopia da Terra-sem-mal, o imediatismo histórico ficou frustrado.
Em busca da "Terra-sem-mal", vivem hoje os Guarani, ameaçados do Mal sem Terra.
A batalha dos Guarani pela sobrevivência física e cultural continua nos dias atuais, no Paraguai, Argentina e Brasil (Maranhão, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul). A luta pela demarcação ou reconquista de suas terras confundem-se com a recuperação de sua identidade étnica.
Os Guarani somam hoje, aproximadamente, trinta mil pessoas em todo o território brasileiro.
Com esta pequena contribuição, viso despertar a curiosidade do leitor à tudo que se refere à civilização do índio sul-americano que até nossos dias permanece como objeto de acurado estudo. Enfatizo também, meu carinho e respeito pelas tradições deste povo, guardando como relíquia preciosa tudo o que evoca sua história e anima a lembrança de seus dias mais remotos.

"America Ameríndia,aínda na Paixão:um dia tua Morteterá Ressurreição!"





Bibliografia consultada
C. Nimuendaju Unke. As Lendas de criação e destruição do mundo como fundamentos da religião dos Apapokura-Guarani. SP. 1987.
M. I. Queiroz - O Mito da terra sem males: uma utopia guarani?. Revista de Cultura Vozes. 67/1 (1973)
M. Bartolomeu. El guarani: experiência religiosa. Asunción. 1991
E. SCHADEN. Aspectos fundamentais da cultura guarani. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1962.


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